sábado, 20 de abril de 2013


O Episódio da Carta

A noite vazava em meus olhos cansados com sua tênebra espessa, fria... À bem da verdade àquela hora era já madrugada e aquelas sensações eram tudo o que eu desejava. Minh'alma estava cansada, torturando-se em vão pelas cartas tolas que havia lido as cartas dela- que eu quis incinerar ou simplesmente nunca ter posto os olhos. Mas houvera posto... E as palavras dela queimavam em mim, espetavam meus pensamentos mais calmos, excitavam a minha imaginação...
Intranquilo por dentro, fiz de tudo, usei todo o meu talento para soar irreverente. Soube que havia obtido sucesso quando seus olhos desprenderam-se dos meus, escondendo a ternura, quase de imediato. E suas mãos deixaram sobre as minhas o embrulho de fino-trato e odor delicado.
Quis deixá-la partir naquele fim de tarde, ver sua silhueta como que a entrar no sol vermelho como uma borboleta se perdendo dentro da flor.
No meio-fio mesmo me deixei ficar, sentado enquanto a cena toda perdia o elemento desconcertante e começava a soar como “nada-em–especial”. E, foi assim, sem paixão e com apenas uma dose de curiosidade que desfiz o laço azul sobre o papel vermelho... E, num instante lá estava, sentindo-me tragado por um turbilhão, mãos que me afagavam, bocas que me mordiam!... Eram assim as palavras que ela me dizia!
Demorei a associar com a face angélica, mas de tanto rebuscar vi que meus olhos estavam cegos... Nunca a viram!
Como que num despertar, suas curvas delinearam-se em minha memória, os vestidos – antes só florais para mim – encurtaram-se, transpareceram e tudo o que era tão seu agora me era tão novo, recém-construído!
As ruas que subi eram quentes demais para me oferecerem abrigo e eu estava tonto por ver a rosa despontando em meio ao asfalto improvável.
Assim cheguei turvo, madrugada-após-madrugada, turvo de pensar que ela se envolveu no brilho daquele sol e eu fiquei à margem, de covardia, vendo-a desaparecer repetidas vezes e, de uma vez por todas.



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