domingo, 30 de dezembro de 2012

Se a mais me atrevesse e meus olhos não estivessem emudecidos
Se menos sobre mim eu soubesse e a muito mais me deixasse 
Se me permitisse outros tantos felizes exageros...
Se, enfim, abolisse a incerteza do "se" e me declarasse guerra.

Eu me flagro, insone e perturbada, vertendo um fluxo imenso de disparates quando gostaria mesmo de estar sob um céu cigano, acomodada talvez no calor de uns braços delirando...Seria o meu patamar mais elevado!

Tenho olhos cansados de tanto que vagam a ensimesmar em busca da sombra de algum pecado como resposta àquelas preces repetidas, noite após noite, no esmero da minha cama. e tenho os dedos dormentes, exaustos pela atividade frenética de acariciar taças de vinho imaginárias e cigarros que desenham esperas no ar...
E , em tudo isto, no entanto, enxergo mais que o vazio deixado por qualquer filosofia.
Estas horas me fazem refletir em quase tudo, no porquê de todas as coisas e porque a vida repentinamente se descobre tão rara. Eu penso no ato de escrever, nesta atividade nevrálgica e absolutamente essencial...Penso que gostaria de sentir o gosto do mar...Penso na inevitabilidade de certas coisas... E, no fundo, sei que tudo isto culminará comigo parafraseando Pessoa e crendo que " maior inocência é não pensar".
Quem bem soubesse não fugiria
à cadência de um toque oferecido
Quem bem soubesse não deixaria
que ele se fosse sem tê-lo sentido

Mais sábio ainda é aquele
que se entrega bem rápido
e deixa que grave na pele
a breve estadia do toque tépido

Bendito seja o toque doado
bendito seja o toque reciproco
esteja ele num beijo silenciado
ou num sussuro rouco...

Bem soubesse não esqueceria
o toque sentido, sofrido, guardado
mas tantas vezes o ressucitaria
ainda mais leve,mais vivo, eternizado!


Evocando os sons profanos
Que nascem dentro do fogo
E andam nas barbas do ar
Para escorrerem nas águas

Assim se move o corpo em consonância
O corpo que é mais que matéria
O corpo que desconhece limites
E repudia as distancias

É o corpo que descobre a lua
As tragédias e os encantos
Sob este imenso céu

Quando as mãos enfeitiçam
Quando os pés tocam sons
No fundo da alma
Quando o corpo se descobre
Reinventa a liberdade e altera
A condição humana
Elevando-a
Dissipando-a em meio à pobreza
De suas classificações
É o corpo esta unidade divina
De princípios terrestres
Abismo de segredos
Receptáculo de almas abarrotadas
Das lembranças imortais

A carne traz o cheiro das eras
O perfume da terra
A cor dos nossos ancestrais!

 

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Eu não quero cantar
Como o homem escravizado
As dores de suas correntes
Eu quero cantar as coisas
Com as quais você tem sonhado
Não sei o gosto do teu ideal
Nem a medida hermética com que adoças a vida
Porque eu canto a amargo que sinto
O travor, o calor na vontade da língua

Em derredor tu buscas
A gentileza no sufoco rotineiro
Enquanto eu me dou aos arranhões
E às mordidas, aos cantos,
Aos apertos nos colóqios das esquinas

Eu não entendo o teu altar
De barro ou madrepérola
Porque sou carne e o meu milagre
Desata entre os meus dedos,
Teus gemidos, meus cabelos...

Eu vou de desencontro a todo sono
Abandono, inerte, a lira
Que cantava apenas tuas idéias
Vou de encontro ao nosso encontro
Queimando e ardendo
No desejo santo de beber nos teus mistérios

Porque eu não quero cantar
Como o homem escravizado
As dores de nossas correntes
Eu quero o grito desesperado
Da liberdade a se derramar em nós
Como o vinho... diáfano e quente!

  1. Invento jogos imperfeitos
    na calada da noite,
    abro as asas da subjetividade
    pois sinto que somente eu
    tenho o poder de me espreitar...

    E na sombra alegre onde me deito
    repouso no silêncio alheio
    a minha alma barulhenta;

    Finalmente sem fadigas
    finalmente ao fino trato;
    Desobedeço regras antigas
    espreguiço-me ao meu lado
    e sondo...não me sonho.

    Na agonia letal de ser apenas
    um frio eflúvio na madrugada
    e não obstante, no prazer
    de estar comigo apenas
    e mais nada...